Especial

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Elas com a bendita palavra

As mulheres estão assumindo o papel de celebrante de casamentos, em cerimônias que acontecem na igreja, em praias ou em sítios

Quando se pensa num casamento, o imaginário leva a uma cena tradicional de uma noiva toda de branco sendo levada para se juntar ao noivo, no altar, diante de um padre ou pastor. Mas já faz um tempinho que as cerimônias não são mais as mesmas.

Sai a igreja, entra um outro cenário, numa praia, num sítio… Sai o padre e entra o celebrante de casamento, que  nem sempre é uma figura masculina. Sim, as mulheres estão assumindo esse papel central nos casórios.

Natasha Siviero está nessa função há três anos  e viu muita coisa mudar. “Quando comecei, numa agência de casamentos em São Paulo, eu era a única mulher celebrante. Em um ano, me tornei a celebrante mais procurada da empresa. E depois de mim, contrataram mais duas mulheres”, conta ela, jornalista por formação que agora conduz os enlaces matrimoniais no Espírito Santo.

Atuando há pelo menos cinco anos nesse segmento, Liandra Zanette também viu a procura aumentar com o passar do tempo. “Não havia um profissional nessa função de celebrante. Quando o casal queria fugir da figura religiosa, chamava um amigo, um poeta para celebrar o casamento, não um profissional disso”, afirma.

Segundo Liandra, que também é jornalista,  muitos casais procuram hoje uma cerimônia mais personalizada, que não necessariamente esteja embalada por uma questão religiosa. “Eles querem que a cerimônia tenha um foco naquilo que creem sobre amor, espiritualidade”.

“A figura de mulher conduzindo já diz muito sobre um casal”, acrescenta Natasha. “Muitas vezes, eles até frequentam uma igreja, mas não querem um discurso muito engessado. Preferem que alguém passe uma mensagem sobre o que eles acreditam sobre Deus e o amor, que conte um pouco da história deles, enfim, que deixe a cerimônia mais a cara deles”, diz.

Há casos, cita Liandra, em que os noivos são de religiões diferentes e não querem se casar nem dentro de uma nem da outra religião. “Ou são casais que têm pais católicos, por exemplo, mas eles próprios não vivem isso no dia a dia, por isso não veem sentido em se casar numa igreja”.

Casais assim, diz ela, querem que a celebração seja com base na história deles, e não num rito religioso. Casamentos homoafetivos são comuns nesse tipo de celebração. “No começo da minha carreira, achava que iria atender mais casais homoafetivos ou alternativos. Mas os casais  heterossexuais ainda são a maioria”, revela Natasha.

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Liandra Zanette celebra casamentos há cinco anos. "Os casais procuram cerimônias personalizadas"

Celebrante homem

Os casais estão se abrindo para novos formatos de cerimônias. Mas e os convidados, como reagem quando veem uma mulher conduzindo uma celebração? A novidade nem sempre é vista com bons olhos. Liandra Zanette conta que nunca sofreu nenhum tipo de discriminação por ser mulher, mas já teve gente pedindo celebrante homem. “Lembro de um caso em que o noivo era muçulmano. Então, não podia ser uma mulher fazendo a celebração. Indiquei uma outra pessoa”.

Se ainda hoje o fato de ter uma mulher à frente da cerimônia gera surpresa, imagine quase 30 anos atrás, que foi quando a pastora Rosângela Stange começou a celebrar casamentos. Ela se lembra muito bem do primeiro casamento que celebrou. “Foi no interior de Santa Maria de Jetibá. Eu ainda estudava, estava insegura pelo fato de ser nova, de ser o primeiro casamento, de ser uma mulher. Lembro que causou muita estranheza. O casal não estava confiando muito em mim não”, ri a pastora.

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Natasha Siviero, que começou trabalhando numa agência de casamentos em São Paulo, está na função há três anos.

“Foi uma grande surpresa para os meus convidados”

A advogada Aline Angeli Ribeiro Passos, 32 anos, nunca sonhou com um casamento tradicional. E ela nem tinha essa opção, já que o atual marido era divorciado e não poderia mais se casar na igreja. Por isso, a escolha por uma celebrante não soou, para eles, algo inusitado.

“Estudei bastante sobre cerimônias desse tipo e já havia ido a algumas com celebrantes, homens e mulheres. Decidimos que era esse formato que a gente queria, algo que fosse mais a nossa cara, que tivesse alguém que contasse nossa história”, comenta Aline.

O casamento dela e do Victor, advogado de 36 anos, foi no dia 25 de agosto, num sítio, pela manhã. E teve a Liandra Zanette como cerimonialista.

“Foi muito melhor do que imaginávamos! Até hoje tem gente comentando, elogiando. Todos riram e choraram com nossa cerimônia. O engraçado é que ficou todo mundo achando que ela era uma grande amiga nossa, e não uma profissional! É porque ela falou com tanta naturalidade, mostrou tanta intimidade com nossa história, que virou uma grande surpresa para os convidados”, destaca a advogada.

Aline Angeli Ribeiro escolheu uma celebrante que contasse a história do casal

Discurso feminino: sensibilidade e foco  na igualdade de gêneros nas cerimônias

Ninguém busca uma celebrante apenas para quebrar um protocolo, fugir do comum. Geralmente, casais que fazem essa escolha querem uma visão diferente sobre o matrimônio, sobretudo menos  machista, como ainda se vê bastante dentro da maioria das religiões. “A gente que é mulher está mais atenta a esse discurso machista e tenta fugir disso e fazer um casamento focando mais na equidade”, diz a celebrante Natasha Siviero.

Para acertar o tom da mensagem, tudo é discutido com os noivos. “Não chego no dia para celebrar sem saber quem é o casal. Tem toda uma construção, faço entrevistas com os dois, vejo o que eles esperam da cerimônia. Não tenho um roteiro pronto. Tudo é discutido com eles. Pergunto sobre a história deles, como surgiu esse amor, quando decidiram se casar, sobre a visão que um tem do outro, sobre o que acreditam a respeito do amor e do casamento, como é a vivência deles no dia a dia”, explica a cerimonialista Liandra Zanette.

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A pastora Rosângela Stange começou a celebrar casamentos há quase 30 anos

Mesmo se baseando na Bíblia sempre, como é o caso da pastora luterana Rosângela Stange, é possível fazer uma interpretação mais livre e que não coloque o homem sempre como o chefe daquela união. “Faço sempre uma releitura de alguns textos, até porque entendo que foram escritos daquela forma dentro de um contexto da época. Então, na linha de interpretação que sigo, não existe isso de mulher submissa ao homem. Isso é uma violência!”

A mensagem, afirma ela, é de respeito mútuo. “Quando a gente se casa, a gente abre mão de algumas coisas. Não dá mais pra um sair a hora que quiser e não dar satisfação alguma ao outro. É preciso ter uma responsabilidade com aquela pessoa com quem se vive. Não por medo, coação, mas por respeito, por amor, por saber que tem alguém ali que se preocupa com você. Então, não existe chefia, e sim companheirismo, parceria”.

Tudo isso é passado de forma leve, não como um sermão. “Procuro fazer uma fala mais cotidiana, mais próxima do casal, sem muita formalidade. É uma conversa, como se estivesse dialogando com eles. Tem liturgia, mas isso conduzido de forma menos austera”, conta a pastora luterana, que está à frente de uma paróquia em Cariacica.

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