Educação domiciliar deve ser reconhecida no país?

MARIA CELI CHAVES VASCONCELOS – Pós-Doutora em Educação e professora associada da UERJ

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Foto: Arquivo Pessoal
MARIA CELI CHAVES VASCONCELOS. Foto: Arquivo Pessoal

Não raro, sou indagada sobre qual seria o problema em se regulamentar a Educação Domiciliar ou, como também é conhecido, o homeschooling, no Brasil, já que a liberdade de aprender e o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas constituem princípios constitucionais garantidos aos cidadãos.

Ocorre que, quando se trata de alterar práticas legitimamente consolidadas, como é o caso da escolarização, jamais existirá resposta fácil, baseada em um ou dois argumentos frágeis, tendo em vista que tais questões envolvem uma gama complexa de circunstâncias, que precisam ser analisadas com muito mais amplitude, levando em conta as condições sociais em que vivemos no nosso país.

Um dos argumentos mais sólidos quando se discute o reconhecimento, por meio da legislação, da Educação Domiciliar no Brasil é a questão da ofensa ao princípio republicano. É notório que o projeto da República brasileira, em que pese completar 130 anos daqui a poucos meses, não se consolidou.

Como afirma Demerval Saviani, na apresentação de seu livro “O Legado Educacional do Século XX no Brasil”, “a educação, como direito humano inalienável, decorrente da tese engendrada no núcleo das aspirações republicanas no século XIX como panaceia para todos os males e mola propulsora da ordem e do progresso, ainda está no estatuto utópico da democratização e universalização do conhecimento.”

O que isso significa? Em nosso país, o ideal republicano, do qual a escola é componente indissociável, até o momento não logrou êxito quanto ao sonho da eliminação das diferenças sociais e da consolidação do princípio fundamental da igualdade.

“Há urgências de grandes proporções a serem priorizadas na educação e o homeschooling, não é uma delas”

Diante de tal cenário, não é possível abrir mão desse projeto, sob a pena de dificilmente conseguirmos retomar o caminho para vencer as desigualdades sociais, sendo a escola um dos últimos pilares que pode sustentar a utopia da igualdade de oportunidades.

O republicanismo originário, como afirmava Florestan Fernandes, foi abandonado, e a República se perdeu em seu objetivo, em seus ideais revolucionários. É preciso, portanto, redirecionar esforços para a retomada do projeto republicano. Há urgências de grandes proporções a serem priorizadas na educação brasileira e, definitivamente, o homeschooling, não é uma dessas urgências.

Aí reside a razão para que cientistas sociais da Educação neguem apoio a qualquer iniciativa neste sentido. Enquanto os ideais e princípios republicanos, entre os quais a universalização da educação, não forem alcançados, não é possível abandoná-los.

É uma questão de coerência social para com os fundamentos da educação previstos na Constituição Federal: “É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: V – proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação,” (Art. 23). Portanto, não é possível dissociar a instituição escolar das bases conceituais, republicanas e democráticas para a concretização do “Brasil do presente?”.

Assim, essa problemática que tem ganhado espaço na mídia – em detrimento da luta por melhor qualidade da escola pública – não pode ser tratada apenas como um pleito por liberdade individual das famílias, embora a demanda de muitas contenha razões legítimas, já que há uma característica fundamental que marca historicamente o direito à educação: a sua natureza social, ou seja, a dimensão social da educação e a necessidade da tutela estatal para garantir esse direito, por meio do sistema educacional, o que torna indispensável a ingerência do Estado nesta seara.

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