Ensinar a criança e o jovem a compreender, identificar e como trabalhar suas emoções e a das outras pessoas no ambiente escolar é um dos grandes desafios das instituições de ensino atualmente. Em um mundo tão volátil, de opiniões tão acirradas sobre as questões sociais, como garantir aos alunos um espaço que valorize a empatia, o diálogo e o respeito pelas diferenças?
A resposta não é simples, mas a importância de criar, valorizar e manter uma cultura de paz dentro das salas de aula virou uma questão de primeira ordem. Em maio de 2018, o governo federal sancionou a Lei nº 13.663, que inclui entre as atribuições das escolas a promoção da cultura da paz e medidas de conscientização, prevenção e combate a diversos tipos de violência, como o bullying.
De acordo com as orientações da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), para se semear a cultura de paz nas escolas, é preciso que o ambiente pacífico e conciliador seja construído no dia a dia da sala de aula, nos pequenos atos. Ou seja, a paz precisa ser um verbo de ação. E educar para a paz envolve ainda, de acordo com as diretrizes da Unesco, a geração de oportunidades para a comunhão de afetos, autoconhecimento e tolerância.
“Não se pode falar em educação de qualidade sem associar projetos que desenvolvam habilidades socioemocionais, que permitam ao aluno o exercício de autoconhecimento e pertencimento a uma sociedade”, atesta Claudia Bachour, diretora pedagógica da Crescer PHD.
A mesma avaliação é feita pelo psicopedagogo e especialista do Núcleo de Apoio Psicossocial do Sesi, Sergio de Oliveira. “Por muitos anos, as escolas priorizaram o desenvolvimento das competências cognitivas, deixando as emocionais de lado. Os currículos precisam ser adaptados para essa nova demanda”, afirma.
Segundo a especialista em Educação Sonia Dias, a escola tem um espaço privilegiado para promover o diálogo, o pensamento crítico e a convivência com a diversidade. E, embora a violência e a intolerância sejam fenômenos sociais, ou seja, que fazem parte da sociedade, a escola não pode se omitir da sua responsabilidade na promoção de uma cultura de paz.
“É preciso criar um ambiente de confiança e respeito entre os alunos, professores e gestores. O aluno precisa ter a compreensão de que ele pode conviver com o diferente e que isso não fere o direito dele de ser quem ele é. Muitas vezes, os conflitos e a violência surgem pelo preconceito, pela falta de convívio com o que é diferente”, explica Sonia, que também é coordenadora de implementação do Itaú Social.
“O aluno precisa ter a compreensão de que ele pode conviver com o diferente e que isso não fere o direito dele de ser quem é”
Sonia Dias, especialista em Educação
Em escolas de ensino integral, onde o aluno passa a maior parte do dia com os colegas e professores, o atendimento personalizado também pode evitar que conflitos se instalem. “Temos um cuidado muito grande em estar junto e ouvir os alunos, suas necessidades. Houve um conflito? Então vamos checar cada detalhe para entender a origem daquilo, de que forma ele foi criado e como podemos ajudar o aluno a superá-lo”, exemplifica Cristiano Carvalho, coordenador de Línguas Estrangeiras do Centro Educacional Leonardo da Vinci.
Projetos
Assim, algumas instituições investem em projetos para o desenvolvimento emocional e social dos alunos. No Leonardo da Vinci, por exemplo, há um projeto internacional, onde os alunos desenvolvem atividades que os mobilizam e trazem retorno para a comunidade. Em 2018, preocupados com a questão ambiental, os alunos elaboraram uma história sobre a conscientização para estimular as crianças, desde pequenas, a serem agentes protetores da natureza. “Por meio da literatura, alunos do 7º ano falaram para crianças do 4º sobre a importância do meio ambiente e como podemos protegê-la. Criou-se um ciclo positivo no presente e no futuro”, exemplifica Cristiano.
Suporte emocional para garantir ambiente nota 10
Para muito além da educação básica, o Sesi também foca no suporte emocional para garantir aos estudantes um ambiente de acolhimento e tolerância. Por meio do Programa de Orientação Profissional e Emocional, o POPe, a instituição auxilia o aluno no processo de desenvolvimento pessoal e escolha profissional, a partir do conhecimento e utilização das habilidades socioemocionais e na construção de um projeto de vida.
Inserido dentro da disciplina de empreendedorismo, o POPe tem um semestre dedicado a abordar questões como autoestima, autoconhecimento e diversidade. “O programa nasceu com o objetivo de orientar os alunos na escolha da profissão, mas as atividades que desenvolvemos com eles permeiam vários caminhos, e um deles é o emocional”, explica o coordenador Sérgio de Oliveira, especialista do Núcleo de Apoio Psicossocial do Sesi.
Outra estratégia foi inserir as famílias no projeto. “Por meio de palestras, fomos encurtando as distâncias entre os pais e os jovens, quebrando as resistências, levando para eles uma perspectiva nova sobre a relação familiar”, conta Sergio.
Inicialmente, o POPe foi lançado para alunos do ensino fundamental II (6º ao 9º) e ensino médio. Em breve, o programa também vai abranger alunos do ensino infantil.
Parceria com universidade americana
Na cultura sul-africana, a palavra Ubuntu, que significa “eu sou porque nós somos”, exprime um conceito filosófico e moral da vida em coletivo. Ou seja, a ideia que só existimos porque o outro existe. Partindo dessa premissa, o Centro Educacional Leonardo da Vinci aposta no projeto Middle School Global Leaders, em parceria com a Universidade de Missouri (EUA), para estimular que o aluno elabore hipóteses sobre diferentes formas de mudar o mundo, mas a partir da sua própria comunidade. Para isso, são planejadas ações que necessitam de habilidades como pensamento crítico, colaboração, comunicação e empatia.
“Na primeira fase do projeto, que é aplicado aos alunos do 6º ao 8º ano desde 2017, falamos sobre a comunidade, sobre quem é você dentro daquela comunidade e como fazer a diferença. Abordamos questões que estão na agenda da ONU, como o meio ambiente, direitos humanos e a segurança alimentar. Problemas que são globais, mas que podem ser tratados no âmbito local, com impactos reais para os estudantes”, explica Cristiano Carvalho, coordenador de Línguas Estrangeiras e também da University Of Missouri Middle e High School.
A partir das discussões, os estudantes partem para a elaboração de ações de impacto social e as colocam em prática, sempre atentos para as necessidades da comunidade. Segundo Cristiano, o engajamento é alto.
“Eles se mobilizam, passam a ter uma integração maior. Neste ano, por exemplo, os alunos arrecadaram 400 quilos de alimentos para um lar de idosos. Tudo iniciativa deles”, afirma.
Pelas ações e não pelo discurso, o projeto contribui para a cultura de paz no ambiente escolar.