"Tribunal do tráfico" ordena expulsões e mortes
Ruhani Maia
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Victor Muniz
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No Brasil, a pena máxima para todo e qualquer delito é de 30 anos de reclusão, segundo a legislação, não havendo permissão para implantação da pena de morte, em única exceção nos períodos de guerras. Mas em muitos bairros da Grande Vitória, a exceção já é uma realidade. Decidir quem merece viver ou não, é uma prática que está instituída em tribunais paralelos comandados por traficantes de drogas.
Sem chance de defesa, os irmãos Ronildo Correa, 32 anos, e Ronilson Correa, 35, foram assassinados em Central Carapina, na Serra. A execução da pena veio no dia 13 de setembro do ano passado, um domingo.
Os dois foram mortos a tiros, ao mesmo tempo, a apenas dois quarteirões de distância um do outro.
Ronildo era conhecido na região por buscar melhorias e segurança e umas das linhas de investigação é de que as mortes estão ligadas a uma retaliação de traficantes.
Irritação
A pena de morte também foi aplicada ao universitário Emerson Matos Louzada, 24 anos, no Morro do Cruzamento, em Vitória. Ele estava na casa de um amigo quando bandidos bateram na porta, entraram na residência e o executaram com mais de 10 tiros. O mandante do crime foi o chefe do tráfico no morro, Deivid Nobre da Silva, 23.
O bandido condenou Emerson à morte após saber que o universitário havia socorrido um jovem baleado na região, que Deivid acreditava ser seu rival no tráfico. A vítima dos disparos sobreviveu, para a irritação do traficante.
“Quando o Deivid ficou sabendo desse socorro, acabou entendendo que o Emerson era aliado do rival dele. Mas nem a vítima baleada e nem o universitário tinham envolvimento com o tráfico”, ressaltou a delegada Nicolle Santiago, na época da prisão do acusado.
Deivid, que era temido entre os moradores da comunidade, pela fama de violência, ainda é investigado por participação em outros assassinatos.
Penalidades
No caso dos irmãos e do universitário, a sanção foi a pior possível. Mas existem outros níveis de punição que podem ser executados pelo tribunal.
Tudo depende do “delito” cometido pelo réu. Espancamento, expulsão do bairro, um corte de cabelo, principalmente no caso de mulheres, e até mesmo uma advertência verbal são outras maneiras utilizadas pelo traficante para manter o poder dentro da comunidade.
Burlar a lei do silêncio, traição, roubo, estupro e até mesmo a desobediência a uma determinação do tráfico podem levar a pessoa a julgamento.
“Se esse tribunal vê que você deixou de atender aos interesses do tráfico, eles aplicam penas. É convocado um grupo de marginais, que em geral são os que controlam aquela comunidade, e passam a impor essas sanções da lei paralela”, explica o promotor de Justiça Criminal de Vitória, Sérgio Alves Pereira.
No dia a dia, os moradores precisam seguir as regras e até mesmo agir fora da lei para não se tornar um alvo dos bandidos, como conta a juíza Gisele Souza de Oliveira, titular da 4ª Vara Criminal de Vitória.
“Existem situações em que moradores são obrigados a guardar drogas e armas. Se forem pegos pela polícia, não podem falar nada. Em ocorrências assim, o juiz tem que agir com cautela redobrada. Delimitar as responsabilidades para evitar que uma pessoa inocente, que não podia reagir àquilo, sofra consequências”, ressaltou.
Mudanças
De acordo com a juíza, todas essas sanções se resumem ao andamento da venda de drogas. Quem se coloca no caminho do tráfico acaba sendo punido.
“Quando eles suspeitam de alguém atrapalhando, usam as leis do tráfico. Nós percebemos que existe um código de conduta próprio, com penas mais brandas e a pena máxima, que é a morte. Eles têm as leis deles. Em algumas circunstâncias eles dão uma chance para a pessoa se mudar”, concluiu.
Foi o destino de uma família que teve que deixar o Morro da Boa Vista, São Torquato, Vila Velha, escoltada pela polícia após sofrer ameaças de traficantes, em setembro deste ano. O porteiro, sua esposa e os dois filhos pequenos foram encaminhados para um abrigo da prefeitura.
Ele contou à polícia que discutiu com um feirante e depois disso começou a ser ameaçado. Numa manhã, a casa do porteiro foi invadida e ele foi levado para um barraco que fica no alto do morro, onde foi torturado.
Mesmo ferido, ele conseguiu fugir e correu até uma delegacia, onde pediu socorro. A Polícia Civil, por meio do Grupo de Operações Táticas (GOT), organizou uma operação para retirada da família.
No mesmo mês, outro trabalhador e seu filho tiveram que sair do bairro Jaburuna, também em Vila Velha, após traficantes esconderem drogas e armas na casa deles.
Já no bairro Bandeirantes, em Cariacica, um traficante também expulsou moradores que não guardavam drogas para ele nem o ajudavam a se esconder da polícia.