Texto: Laila Magesk e Amanda Monteiro
Fotos:  Carlos Alberto Silva, Bernardo Coutinho, Ricardo Medeiros e Marcelo Prest
Vídeos: Danilo Meirelles e Kaique Dias
Edição Online: Natalia Bourguignon

Há um ano, Heloá Victória desafiou a medicina ao nascer. Com seis meses de gestação e pesando 450g, era quase impossível sobreviver. Quase. Quando já estava dentro de um saco, dada como morta após o parto, chorou baixinho. Toda a equipe médica se surpreendeu e começou a luta para salvá-la. Foram quatro meses de internação na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (Utin) do Hospital Estadual Dr. Jayme dos Santos Neves, até a alta.

Heloá é um dos menores bebês já nascidos no Estado. “O médico desabafou comigo: um bebê do tamanho da sua filha é considerado aborto. Impossível sobreviver. Mas, graças a Deus e aos médicos, minha filha está viva e esperta”, conta a mãe de Heloá, Maria Aparecida Rodrigues, 33.

No Espírito Santo, a cada duas horas nasce um bebê prematuro, com menos de 37 semanas, segundo dados da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa). No Brasil, nascem cerca de 40 bebês prematuros por hora, de acordo com dados do Sistema Único de Saúde (SUS). O normal em uma gestação é a mãe dar à luz entre 37 e 42 semanas de gestação. E ao nascer, o bebê pesar de 2,5 kg a 3,5 kg.

Entre os prematuros, existem os casos considerados extremos, como o de Heloá: os bebês nascem antes de 28 semanas de gestação – o que equivale a 7 meses – ou com menos de 1 kg. “Há 30 anos, quando um bebê de 1 kg sobrevivia, era milagre. Hoje, a gente faz partos de bebês de 500g. Foram muitos avanços, principalmente nos últimos 10 anos”, conta a neonatologista Sílvia Louzada, coordenadora da Utin do Hospital Estadual Dr. Jayme dos Santos Neves, referência em gestação de alto risco.

chances de sobrevida-01Sobrevivência

Os avanços da medicina foram muitos mesmo. E fundamentais para garantir a sobrevida dos prematuros. O maior estudo já realizado sobre a prematuridade – publicado recentemente na revista científica “The Journal of the American Medical Association” – traz dados animadores: hoje, seis em cada 10 crianças nascidas com até 28 semanas conseguem sobreviver sem nenhum tipo de sequela. Há 20 anos, eram quatro.

Mesmo em bebês ainda mais prematuros, de 25 semanas, foi registrado um crescimento significativo: a taxa de 18% de sobreviventes sem sequelas, em 1997, saltou para 22% este ano. O estudo foi conduzido pelos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos (NIH) e avaliou 35 mil bebês nascidos antes do tempo ao longo de 19 anos.

“Até pouco tempo, 500g era o peso mínimo para que a equipe investisse na reanimação ainda na sala de parto, porque eram considerados inviáveis os recém-nascidos com peso inferior. Hoje há outros critérios e muito mais recurso tecnológico para manter a vida de bebês tão pequenos”, diz a psicóloga Fernanda Stange, que atua em Utins.

Beatriz Monteiro Coutinho, 2 anos, nasceu com apenas 6 meses pesando 650 gramas. Foram quatro meses de internação. Acompanhe como foi a evolução dela na linha do tempo interativa.

 

Tratamentos

Na década de 1980 surgiu um dos avanços mais significativos na ciência neonatal: o surfactante artificial, medicamento que ajuda a amadurecer o pulmão dos prematuros. Mais acessível a partir da década de 1990, o remédio foi um marco para a vida dos prematuros.

Incubadoras modernas e respiradores próprios para os bebês também foram fundamentais. Sem falar em métodos que não precisam de altos investimentos, mas promovem tratamento mais humanizado. É o caso de redinhas, Método Canguru e banho de ofurô. Todos trazem mais qualidade de vida para o recém-nascido e os benefícios do maior contato entre mãe e filho.

Motivos

Entre os motivos mais frequentes para nascimento de prematuros estão ruptura antecipada da bolsa amniótica, hipertensão, pré-eclâmpsia, diabetes, descolamento prematuro da placenta, sífilis, gestações múltiplas, fertilização in vitro e malformações do feto.

Os sintomas, muitas vezes, são silenciosos, por isso é importante que a gestante faça um pré-natal completo e não ignore qualquer mal-estar. A infecção urinária, por exemplo, pode levar ao parto prematuro. Segundo o obstetra e ginecologista Henrique Zacarias, diretor do Hospital Dia e Maternidade da Unimed Vitória, 50% dos partos prematuros não têm motivo conhecido pela medicina.

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Heloá e o bolinho de chuva

Grávida de seis meses recém-completados, a porteira Maria Aparecida Rodrigues, de 33 anos, sentiu desejo de comer bolinho de chuva. Prontamente, uma vizinha preparou o quitute e a chamou. Para saciar o desejo, subiu e desceu alguns lances de escada. Depois de satisfeita, quando chegou em casa, começou a sentir as dores e precisou correr para o hospital. Ela, que sempre teve pressão alta, já tinha sofrido três abortos anteriormente. Ter um filho era um sonho dela e do marido, o frentista Genildo Guerra, 39 anos. Os cuidados durante a gravidez foram muitos, o pré-natal foi feito com cuidado e a gestação acompanhada como de alto risco. Mas ela estava em trabalho de parto muito antes da hora.

“O médico falou para mim que ela tinha perdido muito líquido e que ia precisar tirar a neném. Começamos a orar”, conta Genildo. “A primeira coisa que pensei foi: não tenho nada pronto! Mas confiei muito em Deus. Sabia que o Senhor não ia me tirar esse filho. Pedi muito para Deus não tirar ela de mim”, diz Maria Aparecida. Heloá nasceu com 450 gramas. A mãe ouviu o médico dizer que o bebê era muito pequeno e estava morto. Mas logo em seguida, viu um enfermeiro correndo e perguntou o que estava acontecendo. Ele disse apenas que estava tudo bem.


Heloá Vitória nasceu com apenas 450g por GazetaOnline

“Depois o médico desabafou comigo: um bebê do tamanho da sua filha é considerado aborto. Impossível sobreviver. A gente ia descartar, já estava no saco, mas ela chorou baixinho”, lembra Maria Aparecida. A equipe correu para salvar Heloá. Ela foi levada para a UTI neonatal, onde ficou internada por quatro meses. É um dos menores bebês já nascidos no Estado. “Considero um milagre. O significado do nome dela é esse, em hebraico: presente de Deus”, diz a mãe.

Os pais lembram da reação ao ver a filha pela primeira vez: “Me assustei. Era muito pequena, muito magrinha. Não tinha boca, era só uma marquinha. O olho colado. A perna do tamanho de um dedo”, conta Genildo.

Ao longo dos meses, muitas dificuldades foram vividas. “Demora muito para ganhar peso. Quando ela engordou um pouquinho, pegou uma infecção e emagreceu de novo. Vi outros bebês morrerem enquanto estava na Utin. Ficava desesperada, com medo. Mas confiei muito em Deus”, conta a mãe de Heloá.

No dia 9 de dezembro, Heloá fez um ano. Ela ainda é pequena, mas já se mostra muito esperta, tem olhos curiosos, é risonha, já senta sozinha e está cheia de saúde.

Pipoquinha por um triz

Foi por um triz, susto após susto. De repente, os pés começaram a inchar, a pressão subiu e tiveram que tirar de dentro de mim um serzinho de 27 semanas, que pesava 650 gramas e cabia na palma da mão. Meu dedo indicador era mais grosso que as perninhas esperneantes de Beatriz. Ela tentava chorar, mas não tinha força para emitir qualquer som.

Prematuro extremo. Baixo peso extremo. Risco extremo. Os médicos repetiam essa palavra com tudo o que se referia a ela. Enquanto olhava pelo vidro da incubadora, sonhava com o momento de ter minha filha em meus braços. Após um mês de espera, finalmente trocamos calor. Descobri a felicidade plena.


A reportagem – Bia, filha de Amanda Monteiro por GazetaOnline

Contrariando as estatísticas, ela sobreviveu. Cirurgia no coração, cirurgia nos olhos, tira o tubo, queda de saturação, cirurgia para retirar hérnia, luta para ganhar peso. Testemunhando a nossa fé em Deus, ela não teve nenhuma sequela. Foram quatro meses na UTI. Meses que demoraram anos para passar. E quando eu já não tinha forças, ela sorria e dizia com os olhos: vai ficar tudo bem, mãe.

Os bebês trazem a sabedoria dos céus. Ao olhar para minha filha, vejo que cada minuto de espera valeu a pena. É o amor em forma de “pipoquinha”, todas delícias em forma de pessoinha. São os filhos que nos ensinam a ser mãe, dia após dia. Todos os clichês fazem sentido e nos fazem chorar de emoção.

Ela me conhece como ninguém e, de forma sobrenatural, me faz carinho quando estou carente, sorri sempre que eu preciso de paz. Ela é a melhor parte de mim. Um triz é parte do seu nome. Feliz é a rima.

 

André: prematuro em 1981

Se atualmente as chances de um bebê de 25 semanas sobreviver ainda são pequenas, imagina em 1981. André nasceu, pesando 810 gramas, contrariando razões e superstições: em um dia 13, no mês de agosto – sinônimos de azar – sem recursos neonatais. “Foi um dia de muita sorte, isso sim”, afirma Maria Margarete Bertollo Ferreira, ao relembrar. Ela estava grávida de cinco meses quando a bolsa estourou. Na maternidade, o médico viu que o colo do útero estava aberto. Ele costurou e pediu repouso absoluto.

Era um bebê muito pequeno. Colocaram André em uma incubadora improvisada, esperando para ver quanto tempo ele resistiria. “Na época, não tinha Utin, nem neonatologistas em Vitória. Era algo muito novo”, conta Margarete.


André nasceu com 850g em 1984 por GazetaOnline

Ela conta que algumas noites foram realmente escuras. Os médicos diziam que não sabiam se ele ia sobreviver. André ficou 56 dias internado. Foi para casa com 1,4 kg, tomando leite no conta-gotas. Ela usou um cesto como berço, forrou, cercou com almofadas e colocou uma lâmpada perto para aquecer.

A bisavó pegou uma camisolinha de cambraia e fez pequenas roupinhas para André, que estão guardadas até hoje. “A gente não tinha enxoval pronto quando ele nasceu, ainda estávamos preparando. A bisavó fez roupinhas bordadas e de tricô.Na época, ainda se usava fralda de pano. Para se ter noção, a gente dividiu um paninho de boca em quatro para servir de fralda nele. A perna dele era da grossura de um dedo”, conta.

André cresceu, engordou e teve um desenvolvimento normal. Aos oito meses, já tinha ultrapassado a curva de crescimento, se igualando a outros bebês da mesma idade. Ele ficou com uma leve paralisia no nervo óptico esquerdo, que não o atrapalha em nada e quase não se nota. Hoje ele está formado, passou no concurso do Tribunal de Justiça, onde trabalha, e afirma que só sabe que passou por tudo isso porque contam para ele.

 

Entre a Utin e os outros cinco filhos

Loazy Christine nasceu com 596g, de 25 semanas, é pequena e frágil. Mas, mesmo assim, já desfruta do colo da mamãe Fabiana da Silva Barbosa, graças ao Método Canguru. O nome, você já pode imaginar, tem relação com os animais australianos que levam os filhos em uma bolsa. No Brasil, os pais colocam os filhos dentro da blusa e ficam pertinho deles.

A postura canguru, em que o bebê é colocado em contato pele a pele com seus pais, é fundamental, mas é só um dos componentes do método, que tem início desde a primeira entrada dos pais na Utin e termina com o acompanhamento do bebê que foi para a casa.


Loazy nasceu com 596g e 25 semanas por GazetaOnline

Esse método ajuda no aumento de peso e no controle térmico. O vínculo entre mãe e bebê é muito importante. Com o contato, ela aprende a conhecer o seu filho. “A beleza do método é justamente esta, de acreditar que não há lugar melhor para o bebê do que junto de sua família”, afirma a psicóloga e psicanalista Fernada Stange, que tem sete anos de experiência em Utin.

O Método Canguru exige a presença da equipe multiprofissional e, portanto, do psicólogo, em todas as etapas do processo. Porém, infelizmente são pouquíssimos hospitais que têm o método completo implantado.

Redinha, ofurô e canguru

Uma fraldinha bordada de vermelho, um bebê tranquilo, balançando de um lado para o outro. Poderia até ser uma cena mais comum se a rede não estivesse dentro de uma incubadora, em uma Unidade de Tratamento Intensivo Neonatal (Utin).

As redinhas, que já existiam em outros Estados, chegaram há meses no Espírito Santo e são uma iniciativa para tornar mais humano o atendimento ao bebê.


Ofurô, rede e canguru amenizam dores de bebês… por GazetaOnline

Ofurô

No início, o Théo estranhou um pouco o banho de ofurô, mas logo a fisionomia do pequeno mostrava o conforto dele, todo relaxado. O banho é feito em uma banheira em forma de balde, com música relaxante a água quentinha.

“O bebê sofre muito estresse dentro da Utin. Ele é manipulado o tempo todo. Pelo próprio formato do balde, a criança traz a lembrança de dentro do útero da mãe”, conta a enfermeira do Vitória Apart Hospital Ravena Scalzer Moreira Alves.

Davi ficou seis meses internado

Com sete meses de gravidez e sem líquido amniótico, a pressão da dona de casa Débia Duarte Conceição começou a subir, ela foi para o hospital e o Davi nasceu. Mãe de mais quatro filhos, ela dedica praticamente todo o seu dia para cuidar do caçula, que após o nascimento ficou na Utin por seis meses.


Davi ficou internado por 6 meses após nascer por GazetaOnline

Atento e até grande perto dos outros bebês da Utin, Davi é uma graça. A surpresa veio quando a mãe disse que o bebê de apenas 2,5 quilos tinha seis meses de vida. Na última semana veio a boa notícia: Davi teve alta do hospital. A mãe desse pequeno guerreiro contou como foi o primeiro dia em casa. “O pai está todo bobo. A primeira noite foi tranquila.”

Loise nasceu com 780g, mas após limpeza pesava 580g

Os avanços da Medicina, como o uso de corticoides para amadurecer os pulmões e aparelhos respiradores, foram essenciais para a sobrevivência da Loise Helena  que nasceu com seis meses e, hoje, aos 10 anos, não tem nenhuma sequela. “Ela nasceu com 780g, mas logo que acabaram de limpá-la pesava 580g.”

Como a família é de Aracruz, foi necessário alugar um apartamento em frente ao hospital, na Serra, para a mãe acompanhar a recuperação da filha. Em seguida, Loise passou a usar um respirador pelo nariz, menos agressivo e com menos risco de infecção do que o tubo, que passa pela boca, diz a mãe.


Loise Helena nasceu com 580g por GazetaOnline

Durante esse período intenso, Marciete teve depressão pós-parto e após a alta da filha, ficou 30 dias em isolamento no interior. Quando voltou ao trabalho, um mês depois foi demitida. Ainda bem que ela tinha um suporte ao seu lado. “Meu marido é tudo para mim.”