Era uma ilha cercada de outras ilhotas, um paraíso natural cravado no mar. Enseadas, prainhas, manguezais e brejos decoravam a terceira capital mais antiga do Brasil. Hoje completando 465 anos, Vitória não é mais a mesma. Em um processo contrário à Atlântida, lendária ilha que teria submergido no oceano, a cidade cresceu sobre o mar, soterrando seus contornos originais e dando lugar a praças, pontes, parques, prédios e avenidas.

Atualmente, a maior parte da população que mora na ilha capixaba vive em cima dos aterros. Da área de mais de 12 mil m² que foi aterrada, entre as décadas de 1830 e 1990,  cerca de 9 mil foram conquistados nas bordas da cidade, sendo boa parte sobre mangue. Outros 3,2 mil foram acrescidos dentro da ilha.

A população aumentou junto com os aterros. No primeiro registro, o censo de 1872, a Capital tinha 3.360 habitantes. A estimativa de moradores do IBGE para este ano é de 359.555.

As primeiras obras, ainda no século XIX, foram feitas na região do Centro, logo abaixo da Cidade Alta, único local ocupado na ilha à época.

Um fator que contribuiu para esse impulso por soterrar algumas áreas teve a ver com a repugnância pelos manguezais, que perdurou até boa parte do século XX. Considerados fétidos, insalubres, com grande quantidade do mosquitos, eram vistos como ambientes negativos, que deveriam ser exterminados, ou saneados como diziam os governos da época.

Os tempos eram outros. Avançar sobre o mar e o mangue significava ir ao encontro do progresso. E assim fizeram as sucessivas administrações públicas.

Nos anos 20, foi a vez do projeto do Novo Arrabalde, do engenheiro sanitarista Saturnino de Brito no governo de Muniz Freire. O local escolhido tinha “muitos morros, algumas ilhas, grande área úmida (mangues e brejos) e uma área com terrenos secos”, diz Letícia Klug em sua pesquisa sobre a paisagem da Capital, no livro “Vitória: Sítio físico e paisagem”.

Neste aterro de 3,2 km², feito inteiramente dentro da ilha, hoje estão as avenidas Reta da Penha e Leitão da Silva, além de vários bairros. “Com isso, só a região da Praia do Canto ficou seis vezes maior”, diz a arquiteta e urbanista Clara Miranda, pesquisadora dos aterros de Vitória.

Outro período marcante de aterros aconteceu nos anos 70, época em que foi feito o aterro na Ilha do Príncipe e na Enseada do Suá pela Companhia de Melhoramentos e Desenvolvimento Urbano (Comdusa), o que era amplamente divulgado no jornal. “O que a natureza criou, a Comdusa tem conservado e adaptado às condições humanas”, dizia um anúncio do órgão ligado ao governo do Estado sobre o aterro na Enseada e a urbanização da Ilha do Boi, no jornal A GAZETA em 1974.

Na mesma época, do outro lado da ilha, famílias ocupavam com barracos e palafitas aonde só havia mangue. A Grande São Pedro se formava sem projeto ou programação, se aterrando no lixo dos demais moradores de Vitória.

Mas os aterros ficaram no passado. Atualmente leis ambientais garantem que a natureza tenha também seu lugar na cidade.

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A busca pelo progresso

aterro sobre aterro até chegar à Vitória de hoje

“Sou nascido e criado no Morro do Alagoano e lembro quando tudo era mar ali em volta da Ilha do Príncipe e da Vila Rubim. Eu estava na faixa dos 14, 15 anos, e nadava lá. A rodoviária de Vitória era um manguezal, depois foi um lixão, e depois teve o aterro. Já o Sambão do Povo era água. Eu sinto saudades de quando tudo era mar” Raimundo de Oliveira Aposentado, 69 anos

“Sou nascido e criado no Morro do Alagoano e lembro quando tudo era mar ali em volta da Ilha do Príncipe e da Vila Rubim. Eu estava na faixa dos 14, 15 anos, e nadava lá. A rodoviária de Vitória era um manguezal, depois foi um lixão, e depois teve o aterro. Já o Sambão do Povo era água. Eu sinto saudades de quando tudo era mar”
Raimundo de Oliveira, aposentado, 69 anos (Foto: Marcelo Prest)

Vitória tinha topografia difícil para uma Capital, que não acompanhava a ideia de progresso – palavra de comando do final do século XIX e do século XX. Pensando em modernizar a cidade, expandi-la e embelezá-la, diversos aterros aconteceram nesse período, permitindo a criação de estradas bem pavimentadas, a implantação do Porto de Vitória e o que foi considerado uma “limpeza” sanitária.

A partir do aterro no Parque Moscoso, os outros foram acontecendo no que o arquiteto José Francisco Bernadino chama de “efeito cascata”. “Um primeiro resultava em um outro subsequente e assim por diante. Isso gerou uma ‘necessidade’ de intervenções por aterros”, escreve o pesquisador em um artigo.

Em contraste com as estreitas e tortuosas vielas do miolo do Centro da cidade, as novas ruas ganhavam um desenho paralelo e mais reto, graças aos sucessivos planos governamentais de embelezamento e valorização econômica.

No Centro, por exemplo, as principais avenidas, Jerônimo Monteiro, Governador Bley/Princesa Isabel e a Getúlio Vargas, estão sobre terrenos aterrados. A área foi chamada de Esplanada Capixaba.

“Lembro do aterro que vai da Praça Pio XII, na Avenida Governador Bley, até o Saldanha. Isso na década de 50. Recordo bem que onde hoje é o Edifício Martinho de Freitas, aquele prédio verde, a terra acabava e o mar batia ali”, rememora o advogado Guido Cortes, 80, que saiu de Colatina, Noroeste do Estado, para estudar em Vitória naquela época.

A própria área portuária foi construída sobre um espaço aterrado. “Em 1918, começou-se a fazer o aterro para construir o porto, mas não deu certo. As obras terminaram exatamente com o Florentino Avidos (1924-1928), mas continuou nos anos 30”, diz a arquiteta e urbanista Clara Miranda.

Os aterros surgiram junto à necessidade de utilizar a areia dragada do canal de acesso ao Porto. Foi o caso de Bento Ferreira, Ilha de Monte Belo e de Santa Maria na década de 50. Antes disso, entretanto, moradores já tomavam conta do local, garantindo sua casa sobre o mangue e o brejo, eles mesmos fazendo pequeno aterros. “Meu pai entrou e colocou um pouco de terra. E depois mais terra. O mangue foi secando… Também tiveram morros que eles desfizeram para aterrar”, lembra o aposentado Evandro Fernandes, 57, morador de Bento Ferreira.

O objetivo de progresso seguiu em 1970, época em que foi feito o aterro na Ilha do Príncipe e na Enseada do Suá pela Companhia de Melhoramentos e Desenvolvimento Urbano (Comdusa), o que era amplamente divulgado no jornal. “O que a natureza criou, a Comdusa tem conservado e adaptado às condições humanas”, dizia um anúncio do órgão ligado ao governo do Estado sobre o aterro na Enseada e a urbanização da Ilha do Boi, no jornal A GAZETA em 1974.

"A ideia era fazer uma ponte para Vila Velha na altura de Bento Ferreira"

arquiteto dá detalhes do projeto de urbanização da Capital

O arquiteto Jolindo Martins Filho, 73 anos, concebeu o projeto de urbanização da Praia do Suá e Enseada do Suá. (Foto: Marcelo Prest)

O arquiteto Jolindo Martins Filho, 73 anos, concebeu o projeto de urbanização da Praia do Suá e Enseada do Suá. (Foto: Marcelo Prest)

Acostumado a velejar nas regatas em que participava na juventude pela costa de Vitória, foi natural para o arquiteto Jolindo Martins Filho, 73 anos, pensar em um projeto quando o chamaram para urbanizar uma nova área da cidade, na década de 70. “Passei a adolescência velejando. Conheço os detalhes da costa da nossa ilha de dentro da água”, diz. A Companhia de Melhoramentos e Desenvolvimento Urbano (Comdusa), órgão ligado ao governo do Estado, já iria fazer um aterro hidráulico onde hoje está a região da Enseada do Suá, parte da Praia do Suá, a orla da Praia do Canto e a Curva da Jurema.

O novo espaço surgiu em cima da areia puxada por uma draga do fundo do mar. Parte do projeto, diz Jolindo, foi modificado por terceiros. Mas não é possível pensar a cidade hoje sem o principal legado de seu projeto, que transformou a cidade: uma grande via ligando o Centro a Praia de Camburi.

O que justificou o aterro?

Primeiro veio o enrocamento (parede de blocos de pedras dentro da água) que ligou do cantinho da Praia do Suá às ilhas do Fato, Bode, Sururu e a Ilha do Boi. Essa estrutura foi feita pelo Departamento Nacional de Portos e Vias Navegáveis (DNPVN) por conta das correntes marítimas que entravam entre as Ilha do Frade, do Boi e a Ponta Formosa, que carregavam areia e as depositavam no canal de acesso à Baía de Vitória (o material que se assentava no local impossibilitava a entrada de navios com maior calado). Acontece que a areia continuava chegando pelas correntes e se depositando na região do enrocamento, o que fez o fundo do mar ali subir e criou um depósito de lodo com urubus comendo os restos de peixes.

Foi o primeiro aterro feito pela Comdusa?

Não, eles também já tinham feito o da região da Ilha do Príncipe e onde hoje estão o Sambódromo e a Rodoviária. Mas a Comdusa voltou os olhos para aquela área perto da Praia do Suá depois, quando o Estado estava sob o governo de Cristiano Dias Lopes. A ideia era sair um projeto integrado entre a enseada e a Ilha do Boi. No total, demorou cerca de dois anos sobre o mar para o aterro de 1,2 km² finalizar.

Como o senhor entrou nessa história?

Eu sou nascido em Vitória, criado na Praia do Canto. Passei a adolescência dentro do Iate Clube velejando. Conheço os detalhes da costa da nossa ilha de dentro da água. Tinha uma função no governo e fui chamado primeiro para urbanizar o entorno da Pedra da Western, na Praia de Santa Helena, depois a Ilha do Boi. Gostaram e chamaram para o aterro na Enseada. A ideia era alargar a costa, possibilitando a criação de uma via mais larga, e integrar com a ponte de acesso a Ilha do Frade, que já estava sendo pensada. E criar um parque, o que hoje é a área das praças dos Namorados, dos Desejos e da Ciência.

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Como foi pensada a via que liga Camburi ao Centro?

Havia uma pressão para povoar o norte de Vitória, onde hoje estão Jardim da Penha e Jardim Camburi, um tendência de crescimento. Inicialmente, propus que a via que ligasse o Centro a essa região fosse por dentro, iria sair em frente a entrada do Aeroporto. Mas não foi possível porque já havia projeto de um condomínio em Jardim da Penha justamente onde passaria a estrada. Então, minha proposta foi interligar a Beira-Mar, que é a Avenida Marechal Mascarenhas de Moraes, com uma via que foi chamada de Nossa Senhora dos Navegantes e que depois que Américo Buaiz faleceu, ganhou o nome dele após a subida da Terceira Ponte.

Qual era a ideia das superquadras?

A gente propôs que fizesse o sistema viário principal com as chamadas superquadras que iriam ser detalhadas com mais vagar. Um dia a Comdusa quis vender essas quatro superquadras (no miolo da Enseada) e convocou empresários de alto poder aquisitivo. Em pouco mais de uma hora, todas foram vendidas. Isso serviu para pagar as multas, os débitos de infraestrutura, os empréstimos. Mas depois dividiram essas quadras e criaram ruas que não estavam no projeto. E perto do mar pensei prédios com oito pavimentos, não com trinta. Isso foi a legislação posterior que foi mudando e foi permitindo.

E já existia a intenção de fazer a Terceira Ponte?

O aterro ficou só o areal por uns anos. Um belo dia, nessa época ainda, decidiram fazer a Terceira Ponte (que começou a ser construída em 1978) e que o melhor lugar era apoiar a praça de pedágio em cima do aterro, pegar uma avenida, um grande eixo do loteamento, e jogar a ponte em cima. E é o que está lá hoje.

Na época, a gente estudou uma ponte com acesso na Avenida Marechal Mascarenhas de Moraes, em frente a região de Bento Ferreira, Ilha de Santa Maria e Monte Belo, onde recentemente discutiu-se fazer um túnel para Vila Velha. É algo de que estou falando há 50 anos, ali em frente a onde hoje é o Álvares seria o local perfeito para um terminal rodoviário urbano, para conexão com o cais das barcas e a chegada da ponte ou túnel. Nós teríamos de fato uma beira-mar valorizada.

A urbanização do aterro ficou muito diferente do que o planejado?

Tem muitas modificações que eu não tenho nenhuma responsabilidade sobre elas. Onde está o shopping, por exemplo, era uma área residencial unifamiliar. Sofri muita oposição e crítica por ter participado do projeto de implantação do aterro. Eu pergunto, sem esta via, Vitória teria crescido o que cresceu? Essa via se justificou ou não através do tempo? Se ela não existisse da década de 70 para cá, como estaríamos com esses bairros do norte?

O lixo virou vergonha

São Pedro e o lugar de toda pobreza

“Eu e minha família somos moradores de Resistência desde a invasão no mangue. Por muito tempo as casas daqui não tinham instalação de água, nem luz...Para viver, todo mundo pegava água de poço para beber e usar na cozinha. Um deles é no quintal da minha casa." Argentina Lauriano  Aposentada, 83 anos

“Eu e minha família somos moradores de Resistência desde a invasão no mangue. Por muito tempo as casas daqui não tinham instalação de água, nem luz…Para viver, todo mundo pegava água de poço para beber e usar na cozinha. Um deles é no quintal da minha casa.”
Argentina Lauriano, aposentada, 83 anos (Foto: Marcelo Prest)

Enquanto o poder público discutia a urbanização do aterro da Comdusa feito na Praia do Suá e Praia do Canto, do outro lado da ilha, outra área era ocupada. A região que hoje é denominada de Grande São Pedro cresceu em cima das palafitas, do mangue e do lixo. Os aterros e urbanização só vieram mais tarde, principalmente depois do documentário-denúncia “Lugar de toda pobreza”, que expôs ao mundo a situação de miséria dos moradores do local.

“Vitória aprendeu muito, a gente tem um grande trauma que é a coisa do lixo do filme do Amylton de Almeida, que foi uma vergonha nacional. Ali a gente criou ideias para o lugar, observando o comportamento”, afirma a arquiteta e urbanista Clara Miranda.

A Ilha das Caieiras começou a receber, na década de 70, famílias vindas do interior em busca de emprego nas grandes indústrias que haviam se instalado na capital.

Com moradias precárias sobre o mangue e o lixo dos demais moradores de Vitória, o local foi uma alternativa habitacional para migrantes pobres, desempregados e subempregados dos setores públicos e privados.

“Era barraco de madeira. Quando a maré subia a água invadia a casa. A gente tinha que atravessar pelas palafitas. Foi muita dificuldade, muita luta”, conta Elza Rezende da Silva, 54, moradora do bairro Resistência há 30 anos.

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Visto do alto, o emaranhado de barracos, pinguelas e palafitas lembrava uma teia. Essa teia se expandiu até meados de 1980, quando foi anunciado o primeiro programa da prefeitura para aterro e urbanização do local, o Promorar.

No entanto, a valorização do local conseguida com o projeto levou a uma outra onda de invasões. Mais pessoas começaram a ocupar as áreas alagadas no entorno de São Pedro, resultando em vários São Pedro (II, III, IV e V).

“As pessoas não conseguiam se fixar porque elas não tinha renda. Toda vez que você faz uma intervenção sobe o valor do imóvel. Você tem um endereço, uma estrutura, luz e água na casa… Daí a pessoa alugava, vendia, pegava o dinheiro e ia ocupar o mangue atrás ou em cima de um morro”, conta a urbanista.

Em 1991, ano em que o Papa pisou por trinta minutos no que era a área mais pobre da Grande São Pedro, a região já contava com 45 mil habitantes.

O próprio lixo, que servia de fonte de renda para os catadores e moradores da ocupação, foi um dos materiais usado para aterrar lotes e ruas. Pouco a pouco, a região foi ganhando ares de bairro, uma conquista da organização popular.

João Batista Venâncio da Silva, 39 anos, chegou ao bairro Resistência aos sete anos. Ele viu na luta e na esperança o motor para a mudança do bairro. “Houve muita luta, muita dificuldade aqui. Não tinha água, não tinha luz. Eram vários barracos dentro do mangue para a invasão. Uma das primeiras ruas de Resistência se chama justamente Rua da Luta porque todo mundo lutou para que garantisse sua casinha, o seu terreno, na invasão. A população resistiu, foi à luta aqui e houve muito quebra-pau pelas dificuldades, passamos fome e sede, mas resistimos”, relembra.

Manguezal era "coisa ruim"

especialistas comentam os impactos após aterrarem 40% de toda a área de mangue da cidade

“Minha mãe foi uma das fundadoras de Resistência. Houve muita luta, dificuldade. Uma parte do bairro era seca e a outra era mangue. Hoja, um das ruas do bairro se chama justamente Rua da Luta porque todo mundo lutou para garantir sua casinha, o seu terreno.” João Batista Venâncio  Supervisor de portaria, 39 anos

“Minha mãe foi uma das fundadoras de Resistência. Houve muita luta, dificuldade. Uma parte do bairro era seca e a outra era mangue. Hoja, um das ruas do bairro se chama justamente Rua da Luta porque todo mundo lutou para garantir sua casinha, o seu terreno.”
João Batista Venâncio, Supervisor de portaria, 39 anos (Foto: Marcelo Prest)

Desde a colonização, os manguezais foram tratados como ambientes negativos. Fétidos, insalubres, com grande quantidade de mosquitos, o preconceito com o ecossistema levou a população a tratar o local como área de despejo de lixo, esgoto e, por que não, aterro.

Mais de 40% da área de manguezal de Vitória deu lugar a aterros. O doutor em Ecologia de Ecossistemas Juliano Barbirato explica que essa ideia antrópica (de atuação do homem sobre a natureza) mudou a dinâmica da baía de Vitória, favoreceu o assoreamento e pode ter provocado o desaparecimento de espécies animais e vegetais.

Foi o que provavelmente aconteceu com peixes-boi marinhos que habitavam as águas de Vitória, se aproveitando das pequenas enseadas da costa. De acordo com o geógrafo Willis de Faria, “cartas em latim de padre Anchieta diziam que ele observava cardumes desses animais na baía de Vitoria. Isso está documento no livro de Charles Frederick Hartt”, relata.

O geógrafo ainda lembra que a secretaria de Meio Ambiente só foi criada em 1986 e que, apenas a partir daí, os impactos ambientais se transformaram em preocupação.

“Era barraco de madeira, quando a maré subia a gente tinha muita dificuldade para sair para trabalhar, a água invadia a casa, a gente tinha medo. Em 1992 vieram e aterraram a lama. Hoje olhamos para o mangue de outra forma. Agora o ele está sendo restaurado, está nascendo de novo.”  Elza Rezende da Silva Dona de casa, 54 anos

“Era barraco de madeira, quando a maré subia a gente tinha muita dificuldade para sair para trabalhar, a água invadia a casa, a gente tinha medo. Em 1992 vieram e aterraram a lama. Hoje olhamos para o mangue de outra forma. Agora o ele está sendo restaurado, está nascendo de novo.”
Elza Rezende da Silva, Dona de casa, 54 anos (Foto: Marcelo Prest)

Segundo o doutor em Ecologia, se não existissem aterros, haveria maior disponibilidade de recursos como peixes e camarões. “O manguezal aumenta a produtividade. É um berçário natural, abriga muitas espécies. Essas espécies se reproduzem no local e ali tem muito recurso disponível para os seres humanos”, determina.

Barbirato diz que é até possível que algumas plantas do manguezal resistam aos aterros, mas “em geral, isso suprime a condição do manguezal, que é a intrusão da maré.” Ele explica que isso afeta todos os ciclos de vida que dependem do local.

Até quem mora em áreas aterradas há muitos anos ainda sente os efeitos do que antes existiu ali. “Os moradores que vivem em locais que outrora foram manguezal enfrentam o problema de água voltando pelos ralos e canos”, diz Juliano.

Outra consequência é a invasão de animais, como caranguejos e mosquitos, que permanecem onde antes era a área em que viviam. “O mangue não tem barreira, então esses animais acabam se perdendo”, lamenta.

E agora?

com a cidade cada vez mais vertical, quais os desafios para crescer com mais qualidade?

A cidade que se expandiu sobre as águas – e o mangue – continua crescendo. A população de Vitória passou de 325.453 em 2010 para 359.555 este ano, pela projeção do IBGE. Hoje, entretanto, aterros não são tão facilmente aceitáveis. A pergunta é: para onde a Capital vai expandir agora? A saída é se reinventar, investir em oferecer serviços perto dos cidadãos e pensar em diminuir os desequilíbrios sociais.

Quando a maioria dos aterros foram feitos, uma das principais preocupações era construir grandes vias ligando as diferentes áreas da cidade. Agora, a intenção é fazer melhorias para dar infraestrutura à população, principalmente na esfera micro, aproximando os serviços das pessoas. “O cidadão quer ter suas atividades diárias próximas de sua residência. É preciso planejar desde alternativas de mobilidade à calçadas seguras”, detalha a secretária de Desenvolvimento da Cidade, Lenise Loureiro.

Dentro desse discurso, o novo Plano Diretor Urbano (PDU), que está em revisão, propõe uma cidade focada mais nos cidadãos e menos nas edificações. “Precisamos trazer sistemas que ajudem a economia e a qualidade de vida das pessoas”, pontua.

Ela destaca que “os aterros eram necessários, mas não é mais o caso”. “Vitória está se renovando e é desafiador porque não há mais extensão territorial. Mas o censo mostra que o nosso crescimento não está acontecendo mais em grandes proporções. É possível planejar”, diz Lenise.

O presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Estado (Cau-ES), Tito Carvalho, afirma que é preciso cuidar para que a qualidade de vida chegue à todos. “Nosso nível é excelente, mas é necessário diminuir o desequilíbrio. Uma parte da ilha tem o padrão muito superior à outra”, explica. Para isso, deve-se aliar programas de desenvolvimento econômicos com sistemas que possam integrar a Capital, como a mobilidade, por exemplo.

Denise cita como exemplos de renovação as melhoras na estrutura viária, como a revitalização da Avenida Leitão da Silva – cujas obras estão atrasadas – e as mudanças no tráfego da região do Centro com o projeto do Portal do Príncipe, que deve desafogar a saída sul da Capital. Treze imóveis foram demolidos no local para dar lugar às vias, mas a intervenção não foi iniciada.

A nova Orla Noroeste, na região de Santo Antônio, é outra obra vista como um modo de reinventar aquela área da cidade, mas a prefeitura ainda está tentando captar recursos.

A secretária lembra que, apesar de não ter muitos terrenos disponíveis, Vitória ainda possui alguns espaços para loteamento que devem ser ocupados em breve.

“Há na entrada da Avenida Norte-Sul e perto de Goiabeiras. Há lugar para receber novos empreendimentos também, de indústria e tecnologia”, diz.

 

Participaram desta reportagem: Carla Sá, Natália Bourguignon, Wing Costa (reportagem), Anelize Nunes (Cedoc), Aglisson Lopes (edição online), Elisa Rangel (edição), João Paulo Rocetti (vídeo), Marcelo Franco (infografia) e Marcelo Prest (fotografia)

Arte de capa: imagem sobre fotografia panorâmica de Marcelo Prest

Conteúdo originalmente publicado em 8 de setembro de 2016